Duas decisões judiciais sobre casos rumorosos, que envolvem nomes de destaque no futebol brasileiro, estiveram no centro dos noticiários na semana passada e mostraram o quanto a questão da violência sexual contra a mulher vem despertando indignação e causando repulsa. A primeira envolveu o ex-lateral-direito Daniel Alves. Condenado dias atrás pela Justiça espanhola a uma pena de quatro anos e meio de prisão pelo estupro de uma mulher numa boate em Barcelona, ele ganhou, na terça-feira passada, o direito à liberdade provisória.
Para deixar a cadeia, Alves terá que pagar a fiança de € 1 milhão (mais de R$ 5 milhões) fixada pela Justiça, o que ainda não aconteceu. Os recursos do jogador estão bloqueados por decisão judicial, à espera do desfecho de um processo de separação movido pela ex-mulher do jogador. Caso consiga o dinheiro, não volte a sair da linha e desde que cumpra as condições impostas pela Justiça para deixar a prisão, onde estava desde janeiro do ano passado, ele ficará fora da cadeia até que se esgotem as possibilidades de recurso.
O outro processo envolve o ex-atacante Robinho — condenado na Itália a nove anos de prisão pelo estupro coletivo contra uma jovem em Milão no ano de 2013. Na quarta-feira, por 9 votos a 2, a corte especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o ex-jogador deve cumprir no Brasil a pena a que foi condenado em três instâncias da Justiça italiana.
A repercussão dos casos, claro, foi amplificada pela fama dos dois condenados. Ambos foram titulares da seleção brasileira de futebol, disputaram Copas do Mundo e se sagraram campeões pelos clubes por onde passaram. Isso estimula a discussão do tema da violência sexual e de outras agressões a que as mulheres estão sujeitas não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. No ano passado, houve no país um aumento de 23% nas denúncias de violência contra mulheres em relação a 2022. O número, de acordo com o Ministério das Mulheres, passou de 87,7 mil denúncias para 114,6 mil.
Cada um desses casos exige, claro, a apuração de suas circunstâncias e do seu desfecho. Mas é inegável que exemplos como o de Daniel Alves e Robinho, atletas que conquistaram fama e fortuna com o futebol, ampliam o debate desse assunto e fazem aumentar a repulsa a esse tipo de crime. Os dois condenados e, mais do que que isso, cancelados. Nada do que digam em sua defesa será capaz de recuperar suas imagens ou de devolver o respeito que um dia tiveram.

TIRO PELA CULATRA — Ambos reagiram às acusações com a postura comum àqueles que, independentemente da fama ou do dinheiro que tenham, praticam esse tipo de violência. Segundo eles, as mulheres consentiram com a relação sexual e, depois, passaram a acusá-los. Pode ser. A verdade, porém, é que já passou da hora dos homens entenderem que, hoje em dia, o consentimento para a relação sexual tem que ser explícito e manifesto de forma clara. E que o ato deve ser interrompido a qualquer momento que a mulher decidir parar. Nada justifica a insistência! Não é não! Ponto final.
É preciso entender que esse "não é não", que vem sendo citado sempre que se refere a esse tipo de situação, é muito mais do que uma frase de efeito. No caso de pessoas de projeção, essa exigência é ainda mais severa. É preciso se convencer de que a mesma fama que facilita o contato com mulheres pode se voltar contra ele caso algo saia errado. Quanto maior for a fama do acusado, maior será a repercussão do caso e, também, o risco do prestígio que ele eventualmente tenha se transformar em pó de uma hora para outra.
Sem a intenção de posar de moralista nem de propor a abstinência como forma de prevenção desse tipo de escândalo, é preciso entender que no mundo de hoje não há e nem deve haver lugar para qualquer gesto que possa ser interpretado como violência sexual. Se alguém ultrapassar os limites e praticar algum ato contra a vontade da mulher, deve ser denunciado e, comprovada a culpa, punido na forma da lei.
Os casos de Daniel Alves e Robinho são graves e refletem os tempos atuais em que, mesmo diante dos eventuais exageros que podem envolver algumas das acusações, ninguém tem o direito de aproveitar de seu poder ou de sua fama para cometer violência sexual contra qualquer mulher. Há, evidentemente, casos em que mulheres tentam se aproveitar desse novo momento para tirar proveito da situação. Um exemplo aconteceu em 2019 e envolveu o jogador Neymar. Uma mulher que havia viajado a Paris a convite dele gravou as cenas em que ela claramente simulava ter sofrido uma agressão.
Se a mulher pretendia obter algum tipo de vantagem, o tiro saiu pela culatra. Isso, porém, é uma exceção. De modo geral, há muito mais casos comprovados de violência cometida por homens do que tentativas de se explorar a situação em seu benefício por parte das mulheres. O mais comum é que se calem diante da violência que sofrem. Ou que pensem dez vezes antes de decidir denunciar a violência. Na maioria das vezes, quando tomam a decisão de levar o caso à Justiça é porque querem reparar o mal.
Um caso rumoroso recente, fora do mundo do futebol, envolveu o empresário Thiago Brennand. Mesmo tendo atrás de si uma extensa folha corrida de crimes e violências sexuais, ele só foi denunciado depois de ser flagrado pelas câmeras de uma academia de ginástica cometendo agressão física contra uma mulher. A partir daí, várias vítimas de Brennand tiveram a coragem de denunciá-lo. Covarde como costumam ser esses agressores, ele fugiu para Dubai, onde foi preso. Extraditado, ele se transformou de agressor em réu e já foi condenado em três dos nove processos abertos contra ele.

PÉSSIMO EXEMPLO — Mulheres como as vítimas de Brennand, Daniel Alves e Robinho sabem que uma denúncia contra um agressor que tenha fama ou dinheiro envolve riscos. Tanto quanto o acusado, elas terão suas vidas expostas e sua intimidade devassada e submetida ao julgamento da opinião pública. Enfrentarão o poder econômico dos réus e terão a vida revirada em busca de um único deslize que possa arruinar sua reputação. Ou seja, muitas razões inibem a iniciativa de denunciar as agressões.
O fato é que casos que se tornam públicos têm, ou deveriam ter, efeitos sobre mulheres e homens. Para mulheres agredidas, eles deveriam encorajar a denúncia da violência sofrida. Para os homens, deveriam servir, no mínimo, como uma espécie de roteiro das atitudes que já não cabem nos relacionamentos íntimos do Século 21. Os dois casos rumorosos da semana passada são exemplares nesse sentido, mas o de Robinho contém detalhes que merecem ser destacados.
O primeiro detalhe: a mulher estava embriagada e ele se aproveitou do estado de vulnerabilidade em que ela se encontrava. Além disso, o jogador estava acompanhado por cinco "parças" que, como ele, praticaram o estupro — o que revela, no mínimo, covardia. Os cinco eram brasileiros e não foram localizados quando o caso foi levado à Justiça. Mais tarde, quando o processo já estava em andamento, Robinho teve um telefonema interceptado com autorização judicial e, no diálogo, além de reconhecer que houve o ato sexual, ele ainda se referiu à vítima em termos jocosos e desrespeitosos.
Finalmente, quando percebeu que a Justiça tendia a condená-lo, ele deu por encerrada sua carreira na Europa e retornou ao Brasil — o que, nitidamente, foi visto como fuga. Além de tudo isso, Robinho, que é dono de uma fortuna estimada em mais ou menos R$ 100 milhões, ainda tentou se fazer de vítima de racismo e considerar a condenação que recebeu como resultado de preconceito. Buscar essa saída para um caso como esse, ao invés de atrair apoio, enfraquece a luta conta o racismo.
Argumentos como esse, ao invés de salvar a reputação do acusado, aumentam a repercussão do caso. Robinho já estava em situação desconfortável antes mesmo de ser detido e conduzido ao presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, na madrugada de sexta-feira — depois de ter um pedido de habeas corpus negado pelo ministro Luiz Fux, do STF. Antes de ser levado para a cadeia, ele já vivia numa espécie de prisão domiciliar. Por mais que sua casa seja confortável, ele não podia sair às ruas sem sofrer hostilidades — e isso, convenhamos, já era uma espécie de punição imposta pela sociedade antes que a Justiça se manifestasse.

MUNDO DE PRECONCEITO — A rejeição a quem comete violência contra mulheres está aumentando porque o mundo mudou e alguns homens — que no passado tinham a petulância de justificar esse tipo de atitude como decorrência natural de sua condição masculina — não se deram conta. Mas que mudou, mudou. Dias atrás, o treinador Cuca, um dos mais vitoriosos do futebol brasileiro, tocou no assunto em um pronunciamento emblemático, pouco antes de estrear no comando do Athletico Paranaense.
Quando era um jovem atleta do Grêmio Porto Alegrense, durante uma excursão à Suíça em 1987, Cuca se envolveu, com outros jogadores, em um ato que resultou no estupro de uma jovem. Embora sempre tenha negado sua participação pessoal no episódio, ficou provado que Cuca estava no quarto, presenciou a cena e nada fez para impedir a violência. Condenado a 18 meses de prisão e ao pagamento de uma multa, já quitada, Cuca teve recentemente a sentença anulada pela Justiça da Suíça.
Durante os quase 40 anos que se passaram entre o estupro e a anulação da sentença, Cuca tocou a vida e construiu uma trajetória vitoriosa como se nada tivesse acontecido. Com o passar do tempo e o surgimento de uma nova postura em relação a atos como o dele, as cobranças vieram e a carga negativa passou a pesar em suas costas. No ano passado, ele foi contratado pelo Corinthians, de São Paulo, para assumir o comando técnico do clube. Mas as torcedoras protestaram e criaram tantas dificuldades que ele pediu para sair.
Cuca só aceitou o convite para voltar ao futebol depois que a Justiça da Suíça anulou a sentença. E, ao anunciar seu retorno, abriu o coração e falou do ato. "A realidade tem que ser transformada para que o mundo seja um lugar mais seguro para as mulheres. O mundo do futebol ainda é um mundo de muito preconceito. Entendi que, quando me cobram, não é só sobre mim, é sobre a forma como tratamos as mulheres", disse.
Cuca deixou claro que mudará sua atitude e que vai engrossar as fileiras de quem luta pelo respeito à integridade das mulheres e pela punição de quem cometer violências contra elas. Disse também que falava de coração — e não da boca para fora. Tomara que dê certo e que ele de fato ajude a tornar não só o futebol, mas o mundo inteiro um ambiente em que as mulheres não sejam vítimas de violência sexual.
VITÓRIA DISTANTE — O lamentável é que, pelo visto, a indignação diante dos casos de violência sexual é seletiva. A fúria justa despertada por casos como os de Daniel Alves, Robinho, Thiago Brennand e Cuca não se estende a todos os estupros. As mesmas organizações e ativistas que erguem a voz para demonstrar sua indignação contra esses homens se calaram solenemente diante dos estupros cometidos contra mulheres israelenses pelos terroristas que as atacaram no último dia 7 de outubro.
Os atos foram tão explícitos e os rastros deixados pelos estupradores palestinos tão visíveis que até a ONU — com toda má vontade que demonstra diante da posição israelense no Oriente Médio — reconheceu a gravidade dos crimes de violência sexual cometidos pelos ativistas estupradores. O silêncio diante daquela tragédia, claro, parece legitimar a violência sexual cometida por militantes que dizem lutar pela causa do povo palestino — mas que têm como único propósito a destruição do Estado de Israel e o extermínio do povo judeu. Para eles, o estupro é uma forma de luta; e as organizações que batalham em defesa das mulheres parecem endossar essa barbaridade medieval.
O silêncio diante desse caso, ou a tentativa de varrer os estupros de 7 de outubro para debaixo do tapete da história, é revelador. Tanto é que, na noite de quinta-feira, enquanto Robinho era conduzido para a sede da Polícia Federal, na cidade de Santos, de onde seguiria para Tremembé, começou a circular na internet uma postagem que seria até cômica se não fosse tão trágica. Nela, uma montagem em que o jogador aparece tendo sobre a cabeça o lenço quadriculado utilizado pelos palestinos contém uma legenda que diz que aquela seria a maneira dele cometer crimes sexuais sem ser importunado.
Por mais doloroso que seja, é bom refletir sobre isso. E concluir que o silêncio diante desse caso, ou a tentativa de justificar a violência sexual em nome de uma ideologia política, diz mais sobre quem se cala do que qualquer demonstração de indignação contra qualquer um que cometa um ato vil como o que Robinho cometeu. Enquanto o estupro das mulheres israelenses não gerar os mesmos protestos e a mesma indignação de outros casos do gênero, a luta estará incompleta e a vitória, distante.
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