Cosme Gregory, Paloma Tauffer, Alex Neoral, Iure Castro e Bianca Lopes, bailarinos da Focus Cia. de DançaRenan Areias / Agência O Dia

Rio - Desde a infância em Natal, no Rio Grande do Norte, Cosme Gregory, 36, parecia destinado a dançar. Aos 5 anos, ele fugiu de uma aula de caratê para assistir à uma de balé, após ser atraído pela música que vinha de outra sala, no mesmo clube em que ele lutava. Era como se a canção o conduzisse para o caminho que Cosme seguiria à risca.
Por dois anos, ele escapou das aulas de artes marciais para espreitar pela porta as de dança, até que, aos 8, teve autorização da mãe para trocar as atividades. Dedicou-se, suou muito nas aulas, fez disso uma profissão e visitou o mundo na ponta dos pés, dançando em países como Portugal, Canadá, Estados Unidos, Colômbia, México e Bolívia. Há 11 anos faz parte do elenco da Focus Cia. de Dança, com sede na Praça Tiradentes, região Central do Rio, grupo que conta com patrocínio oficial da Petrobrás há uma década.
"Quando eu danço, parece que todos os meus problemas somem de repente. É como se o meu espaço fosse tomado por muito ar, como as transformações da lua. Em uma metáfora, a lua vai ficando cheia, e eu vou sentindo todo esse encher e essa bola de luz que vai se formando dentro de mim. Todas as minhas questões deixam de ser um problema e passam a ser ferramentas para que o público se identifique com melancolia, prazer ou amor”, conta Gregory.
A dança dita o ritmo da vida de Cosme e de tantos outros bailarinos que fazem da arte o seu ganha-pão ou hobby. No próximo dia 29, comemora-se o Dia Internacional da Dança, data instituída em 1982 pela Unesco para lembrar da relevância da expressão artística. É quando as palavras cedem espaço a uma narrativa visual e cria um diálogo com o público por meio do corpo.
Aos 16 anos, Paloma Tauffer, 32, hoje também bailarina da Focus Cia. de Dança, viveu a experiência de contar no palco a autoaceitação de seu cabelo black. A jovem morava em Vila Velha, no Espírito Santo, e fazia aulas de balé clássico para lidar com a timidez profunda. No classicismo, os cabelos são presos em coque, o que era um conforto para a bailarina, que se constrangia com seus fios afro. Um dia, a professora Mìtzi Marzzuti decidiu montar uma coreografia de dança contemporânea e pediu às alunas para soltarem os cabelos. Para Paloma, aquilo foi um choque que se transformou em liberdade: "Eu fiquei super envergonhada, pois era o único cabelo afro da escola de dança inteira. Todas as meninas soltaram os cabelos na hora, e eu fiquei lá, sem saber o que fazer, até que resolvi soltar. Mìtzi ficou maravilhada quando viu meu black, disse que eu e meu cabelo éramos lindos. Ela chegou a fazer uma cena exclusivamente comigo soltando os fios, tocando-os e os acariciando. Aquilo foi uma virada de chave na minha vida, pois me trouxe a autoestima que tanto me faltava", recorda.
A dança se entrelaça de forma tão intrínseca com quem a pratica que os movimentos não servem apenas para os bailarinos performarem, mas também como ponto de partida para outras experiências, dando-lhes nova roupagem à prova do tempo. O artista visual Thiago Sancho, ex-bailarino de companhias como Deborah Colker, Renato Vieira, João Saldanha e Alex Neoral, no Rio, Nicolas Maurel, na França, e Claudia Palma, em São Paulo, transporta o ritmo do corpo para móbiles feitos de metal e ataduras de gesso. Com suas esculturas dotadas de movimento, feitas a partir de técnicas que incluem conceitos da dança, emprestando compasso aos móbiles, Thiago chegou a ser finalista do prêmio global de arte contemporânea Ashurst Emerging Artist Prize, em 2021, com a obra Places I’ve Never Been. Trata-se de um corpo-móbile que, em relação ao espaço, à luz e ao movimento do ar, executa composições coreográficas de possibilidades infinitas.
Thiago começou a dançar aos 16, idade considerada tardia para quem gostaria de fazer daquilo profissão, o que demonstra que a arte não faz distinção de idade, gênero ou nacionalidade: "Eu comecei a dançar, porque eu fazia teatro na época e a coreógrafa da peça que estávamos montando disse que os atores deveriam fazer aulas de dança. Então, ela ofereceu uma bolsa na escola de dança em que dava aula e podíamos fazer a aula que fosse. Me lembro que na minha primeira aula de balé, eu me emocionei muito! Não sei se foi a música ou aquele contato íntimo com meu corpo, só sei que me apaixonei pelo balé no meu primeiro plié", lembra.
Natural de Nova Friburgo, pequena cidade da Serra Fluminense, o bailarino se emociona ao contar como a dança o libertou de conceitos limitantes que uma cidade pequena pode impor aos seus habitantes: "A dança me ajudou a entender meu corpo e o espaço que ele ocupa no mundo, a perceber o corpo do outro e a desenvolver a relação que existe entre eles e os ritmos que fazem a nossa convivência. Enquanto eu esticava meu corpo buscando novos limites, eu ampliava a perspectiva da minha existência, derrubando meus próprios preconceitos e desafiando os paradigmas que um menino de 16 anos criado em uma cidade de interior poderia ter adquirido".
Se a idade no documento não impede o corpo que quer dançar, Rafaela Coeli, 50, comprova. Com 42 anos, a hoje guia de turismo se matriculou em uma companhia de dança para fazer aulas de balé adulto. Ela tinha dançado por poucos meses quando tinha 6 anos e, desde então, não tinha mais colocado uma sapatilha nos pés. Ao se ver em um momento profissional conturbado, com insatisfação com o seu trabalho no mercado financeiro, Rafaela foi atrás de uma atividade que poderia ajudá-la com a autoestima. Foi quando a sua curiosidade colocou o balé no radar: "Sempre pensei na dança como algo que não fazia parte da minha personalidade, pois eu me acho uma pessoa desajeitada e julgava que não teria capacidade. Até que fui para a primeira aula e me senti muito bem acolhida pela professora, que quebrou o pensamento de que é preciso ter um dom natural para o balé. A partir dali, percebi que existe uma Rafaela que dança e isso fez a minha autoestima melhorar muito!".
O diretor artístico da Focus Cia. de Dança, Alex Neoral, 44, também descreve a dança como possível para todos: "De modo geral, é uma arte inerente a qualquer ser humano. Pode-se dançar sem música, ao som da chuva ou com silêncio absoluto. É a expressão mais democrática, pois todos podem dançar", afirma.

Para todos os bailarinos ouvidos para esta matéria, profissionais ou amadores, o trunfo da dança está na capacidade de expandir a existência e a vida. Alex já era adolescente quando experimentou pela primeira vez o efeito da gestualidade do balé e todos os desenhos que o corpo faz no ar enquanto dança: “Desde criança, sempre gostei de arte, desenho, música, teatro. Só que a dança apareceu por acaso por amigas que faziam jazz. Fui fazer uma aula e eu tomei uma paixão pela dança que me arrebatou! Eu realmente encontrei um sentido na minha vida a partir dali. Foi a dança que me fez querer continuar vivendo. Ela me salva todos os dias. Por isso, muitas pessoas procuram a dança para se sentirem intensas. Ela deixa o corpo muito mais vivo", compartilha.
A empresária e estudante de psicanálise Patrícia Beltrão, 54, que faz aulas de balé clássico, jazz, tango e dança de salão, relata que a dança a faz se reinventar: "A dança incendeia o corpo, alimenta a alma, faz a vida respirar sem pressa e permite que eu exista no mundo de forma mais feliz. Viver o amor à dança traz, além de leveza e equilíbrio emocional mais controlado, neuroplastia cerebral, coordenação motora, disciplina, modela o físico e põe muito caldo na nossa criatividade", afirma.

A dança necessita de sacrifícios
No dia desta entrevista para O DIA, Paloma estava com febre, mas ainda assim compareceu ao trabalho. O balé exige dedicação de vida. Não à toa, um dos bordões mais conhecidos entre os bailarinos é o "não posso, tenho ensaio", para justificar ausências. A dança impõe renúncias. Além de não deixarem de dançar quando estão doentes ou lesionados, os profissionais abrem mão de morar perto de seus familiares para encarar a jornada.
Muitas vezes, saem de casa bem novos. Iure de Castro, de 31 anos, deixou Campina Grande com 11 anos rumo à Escola do Teatro Bolshoi, em Santa Catarina. Ele não sabia nada de balé e teria que se mudar sem nenhum parente. Mesmo assim, não pensou duas vezes. "Ao mesmo tempo em que foi muito difícil, foi uma grande oportunidade. A saudade de casa era grande, mas com o tempo, a oportunidade virou um sonho, pois adquiri uma enorme bagagem cultural. Hoje até falo outras línguas por conta da profissão." De Joinville, Castro migrou com contrato assinado para Salzburgo, na Áustria, onde dançou por 10 anos.