Osmar Prado estrela o espetáculo ’O Veneno do TeatroFernanda Baldo / Divulgação

Rio - Com mais seis décadas de carreira, Osmar Prado é um ícone da televisão brasileira. O ator tem no currículo grandes novelas da TV Globo, como "Ilusões Perdidas" (1965), "A Muralha" (1968), "O Clone" (2001), "Chocolate com Pimenta" (2003), "Caminho das Índias" (2009) e o remake de "Pantanal" (2022). Além dos folhetins, o veterano também é um grande apaixonado pelo teatro. Após receber o convite do diretor Eduardo Figueiredo e ler o texto do espetáculo "O Veneno do Teatro", obra reconhecida e premiada em vários países, ele decidiu retornar aos palcos após um hiato de dez anos.
"O sentimento é de retornar à verdadeira casa do ator, onde ele de fato exercita o seu trabalho, a sua profissão. Nós temos um horário de trabalho, nós temos o terceiro sinal, iniciamos e vamos até o fim, e temos o retorno do nosso trabalho, o reconhecimento imediatamente após o término do espetáculo. O teatro é o único espaço onde o ator de fato torna-se protagonista daquilo que faz. E o que me motivou foi exatamente o agradável convite de Eduardo Figueiredo para fazer o Marquês em um dos mais belos textos da dramaturgia internacional. O 'Veneno do Teatro' é um presente para dois intérpretes e, no nosso caso, também para um músico como Matias Rock, que pontua todos os momentos dramáticos da peça", diz o ator.
Na obra, Osmar interpreta Maquês, um nobre aristocrata egocêntrico, que convida o ator Gabriel de Beaumont (Maurício Machado) para interpretar uma peça teatral de sua autoria. Ao longo do espetáculo, há um suspense psicológico entre os personagens e Marquês revela-se um psicopata capaz de qualquer coisa para atingir seu objetivo. O ator, então, comenta o desafio de dar vida a um personagem tão complexo. 
"Todos os personagens são desafiadores. Por menor que seja, sempre é um desafio criar uma personagem. Há complexidade humana, não é verdade? Ela exige do ator, se ele quisesse aprofundar, muitas nuances. Então, eu encaro todas as personagens, como sempre encarei, dentro do cinema, do teatro, da televisão, com o maior carinho possível, porque amo o que faço, faço isso há 65 anos, tenho 76 de idade e ainda tenho aquele frio na barriga antes de qualquer estreia", assume o artista, que revela como foi sua preparação para dar vida ao Marquês. 
"Fiz um mergulho interno. Quer dizer, eu não busquei, eu marquei algumas informações sim, lendo o texto, entendendo o que o autor queria dizer e mergulhando dentro de mim mesmo, já que todos nós temos. De potencialidade para tudo, para sermos o que nós quisermos. Então, eu, como ator, fiz mergulho ao interior de mim mesmo e bati um papo com o Marquês nesse diálogo entre mim e o meu interior. Foi essa a minha preocupação. E claro que tive que conjugar isso com o meu colega Maurício Machado, porque, afinal de contas, nós tínhamos que estar afinados. Não adianta eu criar um Marquês se eu não tenho sintonia com a criação do Maurício Machado, como o ator egocêntrico que ele faz. Então, isso tudo orientado pela direção do Eduardo Fiqueiredo, que coordenou magnificamente bem a nossa sintonia. E por aí vai", destaca.
 'O texto mexe com todos nós e com o público'
Escrito nos anos 1970, o espetáculo já foi encenado em mais de 62 países. Nesta nova versão brasileira, a peça assume uma postura atemporal, inspirada na década de 20 em Paris, e aborda temas como ego, vaidade, crueldade humana, estética, fisiologia. Osmar assume que o texto mexeu com ele.
"Evidentemente a gama de possibilidades, a riqueza de comportamentos, a crítica do poder absoluto e outras mazelas mais de um contexto social, já que essa peça foi escrita três anos depois de uma ditadura vivida pelo autor. Ela se passaria na França pré-revolucionária, então nós temos aí infinitas possibilidades, e é claro que o texto mexe com todos nós e com o público, até porque se nós não fôssemos tocados por ele não poderíamos representá-lo. E a todo momento me vem à cabeça falas da personagem. Maurício Machado e eu, geralmente antes de cada apresentação, batemos esse texto, extremamente complexo, muito bem escrito e não aceita improvisos, não aceita... Que não seja dito exatamente como está escrito, né? Como ele é muito bem escrito, foi muito mais fácil memorizá-lo, porque, na verdade, você imediatamente acaba trazendo para você mesmo a vontade de dizer aquilo que se lera escrever. E isso é maravilhoso", pontua.
O artista também defende seu personagem. "O grande problema de muitos espetáculos, inclusive muitos que eu fiz, é que eu não acreditava naquilo que eu estava dizendo. E, no caso do Marquês, eu não só acredito como defendo o que ele diz, porque não que eu defenda o Marquês, eu tenho críticas em relação a ele e ao pensamento dele, mas uma coisa, sou obrigado a reconhecer, ele não é hipócrita, ele assume que é um canalha. E isto não é pouca coisa", opina.
Parceria com Maurício Machado
Osmar tem brilhado no tablado ao lado de Maurício Machado, a quem não poupa elogios. "Ele diz que eu sou o parceiro dos sonhos. E eu digo que o Maurício Machado é o parceiro mais querido que eu já tive no sentido do afeto, do respeito, da admiração, que ele tem por mim e eu por ele. Então, nós jogamos a bola, assim como o Coutinho e Pelé jogavam e faziam gols maravilhosos. É uma tabelinha em que eu mando a minha fala e ele já está a postos para responder e vice-versa. Então, é uma sintonia rara dentro do teatro, porque nós somos muito vaidosos, somos competitivos, e eu vejo que Maurício joga a bola para mim sempre redonda e eu tento devolver para ele. Isso é maravilhoso, é uma sintonia total e essa peça não poderia ser feita de outra forma", afirma.
"Se nós tivéssemos uma competição individual por egos, nós não estaríamos fazendo talvez o sucesso que estamos. E a peça é rigorosa, ela tem que ser rigorosa, a direção é precisa, não dá muita margem para bilhar egos, embora a gente tenha descoberto muitas coisas que resultam em algumas risadas do público, mas muito poucas, porque, na verdade, a peça é dramática, a base dela é a dramaticidade. Não preciso olhar onde está o Maurício para jogar a bola, eu toco na bola e sei que ele está lá me esperando, e vice-versa. Então, é também um privilégio estar fazendo a peça com um ator tão contundente, tão sensível e tão experiente como o Maurício Machado. E eu já sou um veterano com 65 anos de carreira e 76 de idade, a minha visão de mundo já é completamente diferente. É muito bonito, porque a peça é parceria e o público saboreia isso, e ele é que julga, e ele que responde, e a resposta desde nossa estreia em Belo Horizonte tem sido magnífica", destaca.
Tião Galinha na versão original de 'Renascer'
O veterano foi um um dos grandes destaques de "Renascer", em 1993, como Tião Galinha. O ator fala com carinho do personagem e lembra que ganhou um prêmio de melhor ator por sua performance no folhetim. "Na verdade, o Tião Galinha, de 93, eu ganhei. Subi no palco do Memorial da América Latina, em 93, ao término de 'Renascer', e ganhei dois prêmios. Vânia (Pacheco, sua mulher) estava na plateia, nossa filha no carrinho do bebê, também junto dela, e eu subi duas vezes ao palco. Eu ganhei prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor ator teatro por Adolf Hitler, do espetáculo "Uma Rosa para Hitler", e ganhei também melhor ator coadjuvante por Tião Galinha. No mesmo dia, subi ao palco duas vezes", recorda.
Osmar admite que não tem acompanhado a nova versão do folhetim, mas opina sobre a performance de Irandhir Santos, que tem dado vida ao personagem. "Não tenho acompanhado o remake de 'Renascer', por razões óbvias. Estou absolutamente concentrado no 'Veneno do Teatro'. Mas ouço falar muito bem, não só da novela, mas especificamente do trabalho do Irandir Santos, que está fazendo a difícil tarefa de recriar o Tião. Eu disse a ele, inclusive, quando ele me telefonou gentilmente, falando que ia fazer Tião: 'Irandir, você vai construir o seu Tião. O meu Tião já foi, já passou, ele está no passado, agora você vai construir o seu Tião'. E com a sensibilidade dele, nós estivemos juntos em 'Pantanal', conversávamos muito, até tivemos, de repente, uma ideia de fazer um espetáculo juntos, nós dois, pensamos até em Plínio Marcos, 'Dois perdidos numa noite suja', mas não foi possível", recorda. 
"E não é que me vem logo na frente também um espetáculo para dois, e pontuado por um músico como Matias Roque, que foi o 'Veneno do Teatro'. Meu sonho era fazer, realmente, um espetáculo de dois atores. E não veio Plínio, mas veio Sirera, e que foi uma bênção, eu acho que foi uma conspiração cósmica, uma conspiração dos deuses, e eu acho que fiz por merecer, senão isso não teria ocorrido. Mas eu acho que, nesse novo contexto, a escolha do Irandir foi a escolha perfeita, a escolha certa, eu acho que ele reúne todas as condições para fazer um belíssimo Tião, assim como foi a novela em 1993. Outro dia vi uma cena no celular, em que ele estava sentado à mesa com os dois meninos, conversando com a Joana, e a Joana fez uma chacota da Galinha Preta, que ele estava carregando para todo quanto é lugar, e ele ficou muito triste e fez um discurso dramático e amoroso para ela, recebendo essa estocada jocosa da companheira que ele ama. Então, eu acho que ele está no caminho certo, ele deve fazer sucesso, o personagem é muito forte e eu estou torcendo para ele e para a novela", frisa.
Serviço:
'O Veneno do Teatro'
Quintas e sextas, às 19h; sábados e domingos, às 18h
Em cartaz até dia 2 de junho
Local: Teatro Firjan SESI Centro
Endereço: Av. Graça Aranha, nº 1, Centro, Rio de Janeiro, RJ
Ingresso: R$ 40 (inteira) | R$ 20 (meia)