Rafael NogueiraRafael Nogueira

Muito se repete que a situação das enchentes no Rio Grande do Sul é análoga a um estado de guerra. Mas a resposta não tem sido a que o Brasil teria de dar a uma guerra. Se a devastação causada pelas águas pode ser comparada a um cenário de desastres naturais de alta magnitude – como os do Haiti, de Nova Orleans, da Turquia –, é de estranhar que ainda nos falte uma mobilização militar massiva e altamente capacitada (não feita de novatos sem orientação, que dão a entender que ou há despreparo, ou má vontade de ajudar).
A catástrofe exige resposta imediata e firme, com todos os recursos disponíveis sendo direcionados para mitigar os danos e socorrer as vítimas. O Brasil precisa com urgência estudar, criar, ativar uma doutrina de defesa civil capaz de lidar com calamidades dessa proporção. A falta de experiência com vulcões, terremotos, tsunamis ou tornados não pode mais ser uma desculpa para não fazer nada.
Uma organização adequada da Defesa Civil costuma ser organizada, hierarquizada e centralizada. Nesses casos, o Exército e outras forças armadas devem operar sob sua coordenação como meio de garantir uma resposta unificada. E com prerrogativa de controle, sim, do que se pode ou não fazer, mas também com relaxamento de burocracias malucas que, por incrível que pareça, só fazem sentido em situações normais.
Idealmente, os municípios devem ser os primeiros a elaborar e implementar planos de emergência. Incapacitados, o governo estadual deve assumir o comando; se a magnitude do desastre, porém, ultrapassar a capacidade do estado, a administração federal deve intervir diretamente. Não tem jeito: os prejuízos ali não são contados aos milhões de reais, e sim aos bilhões — doações, portanto, ajudam, e muito, mas não cobrem nem substituem um “orçamento de guerra”, que continua necessário.
Não esqueçamos que o hype dura pouco – à medida que diminui o interesse da imprensa e dos influenciadores de mídias sociais, o apoio tende a se esvair, deixando os desabrigados e vulneráveis em uma situação ainda mais desesperadora. É aí que o Estado deve reforçar seu papel, que se pretende insubstituível. As necessidades básicas de moradia, saúde e emprego não podem ser objeto exclusivo de uma boa vontade passageira; precisam de resposta institucional robusta e contínua.
Não é momento para disputas ou competição. Sociedade civil e Estado têm de colaborar. A união de esforços torna claramente mais eficazes as ações de socorro e reconstrução. Todos os recursos e competências disponíveis se integram para enfrentar esse desafio na dimensão em que ele se colocou.
Acredito que as consequências das enchentes podem, sob certos aspectos, superar as da pandemia de Covid-19; não me refiro a número de mortos, mas à destruição e ao impacto socioeconômico futuro. Cidades destruídas resultam em problemas perenes, que vão muito além do recuo das águas. Pelo esforço prolongado e abrangente que vai exigir, com implicações para o país e para o futuro das próximas gerações, a resposta a esta crise é prioridade nacional.
Detalhe importante: o papel fundamental que os voluntários têm desempenhado. Seria absurdo qualquer um vir negá-lo, ou minimizar o real heroísmo dessas pessoas. Mas há um limite para o que podem suportar. Infelizmente, alguns não aceitam que uma hora devem descansar e cuidar de si próprios; sobrecarregados pelo esforço incessante e pela falta de apoio institucional, acabam se somando, assim, às mesmas vítimas que procuram ajudar. Isso também não dá. Por isso, insisto que um comando centralizado tem de garantir proteção e cuidado àqueles que são ajudados, e também àqueles que os ajudam, evitando que os últimos se tornem, enfim, parte do problema.
O Estado tem dado demonstrações de que está perdido? Está, e não é de hoje. Que ele então se encontre finalmente, se organize e lidere a reconstrução. Isso inclui enterrar os mortos, restaurar os sistemas de saúde e esgoto, reconstruir estradas, escolas, edifícios residenciais e preservar o patrimônio histórico e cultural.
Os brasileiros já demonstraram pelo Rio Grande do Sul um amor enorme, oferecendo ajuda e solidariedade nos paroxismos da crise. Agora, a República Federativa do Brasil precisa corresponder a esse amor e assumir o papel que lhe cabe, liderando de forma decisiva e eficiente a recuperação e a reconstrução da região. A resposta a essa catástrofe precisa ser o ponto de honra de nossa geração, refletindo nossos valores de amor ao próximo, de união nacional, e a determinação de realizar verdadeiras façanhas, que sirvam de modelo a toda terra.