Rafael NogueiraRafael Nogueira

Um amigo se tornou doutor em História quinta passada. Aprovadíssimo pela banca, nada mais natural do que sair confiante. Nesse espírito, publicou um texto em suas redes sociais destacando duas virtudes: a constância e o silêncio.
É indiscutível a verdade de sua reflexão, mas é possível revisar o que o mau leitor pode tirar dela: quanto de silêncio precisa um pensador? Alguns podem entender que só monges, herdeiros e bolsistas de pós-graduação que vivem em lares harmoniosos, e ainda por cima sem barulho, podem desenvolver trabalhos acadêmicos relevantes. Isso me fez lembrar da diferença entre a patrística e a escolástica.
Na primeira vertente da filosofia cristã, os protagonistas viviam na agitação das comunidades católicas primitivas, tendo por missão organizá-las e exortá-las ao bom comportamento, ao mesmo tempo em que combatiam hereges e pagãos os mais diversos, entre os quais muitos filósofos. Não podemos dizer que foi pacata a vida de um Santo Basílio, cuja coleção de textos se constitui sobretudo de cartas e sermões.
Já na segunda, temos monastérios e universidades para abrigar, sustentar e proteger os pensadores que já se debruçavam sobre uma tradição de pensamento cristão escrito e acumulado, e que escreviam contra textos complexos da filosofia e também das outras grandes religiões monoteístas, produzindo assim as famosas sumas, caso de Santo Tomás de Aquino.
O doutorando bolsista de hoje atravessa uma fase de meditação e produção análoga à dos escolásticos. Tem a fonte de sustento garantida — ainda que não seja nenhuma fortuna —, e não precisa apresentar trabalhos às massas, mas aos pares.
Isso é maravilhoso, e todo estudioso vocacionado à vida acadêmica sonha com o dia em que poderá desfrutar dessa meditabunda tranquilidade. Mas não estou convencido de que não haja dignidade na reflexão pública daqueles que seguem programas organizados de estudo em meio à agitação do mundo, lendo ou ouvindo cursos no transporte, na academia, nos intervalos de reuniões e demais atividades. São esses, entre os quais muitos colunistas de jornal e alguns intelectuais públicos que cresceram na internet, que respondem aos desafios iminentes que todos temos que enfrentar.
É que dá pra fazer bem e mal as duas coisas. Há bolsistas que mantêm o silêncio, levantam dados, escrevem em horas e mais horas de solidão, e que não têm precisão nem brilhantismo, que erram a mão, e que acabam conduzindo leitores e alunos ao erro.
E há, no outro caso, uma proliferação de palpiteiros que intelectualmente não são lá grande coisa, mas que conseguem simular inteligência emitindo sinais de autoridade, por vezes até usando técnicas de manipulação; enfim, o discurso que cola com desavisados.
Isso é muito ruim, porque são como gafanhotos, pragas que fazem do súbito interesse em estudar, que apareceu nos últimos anos, uma terra infértil, pedregosa, ressecada pela enganação, pela frustração, pelo abuso de formulinhas baratas.
Nada mais respeitável do que aquele que consegue pensar no meio da balbúrdia brasileira, preso a uma limitação econômica que não lhe permite se concentrar por anos a fio em matérias ultra-especializadas, mas que, ainda assim, tem pudor intelectual, metodologia séria e respeito pela dignidade de quem o lê ou ouve.
Não se enganem, a produção do conhecimento original tem sempre algo de constância e silêncio. Nem mágica nem dom raro por si só fazem um scholar. Mas pose histérica muito menos. Quem não parou um tempo para pesquisar, e só grita, lacra e lucra, não merece honra nem mérito.