Pré-candidata pelo PCdoB à Prefeitura do Rio, Dani Balbi é deputada estadual e foi eleita com mais de 65 mil votos. Ela é a primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Alerj. "Tirando a minha candidatura, todas as outras são de homens. Isso mostra que a política ainda é um lugar que rejeita a inclusão e a diversidade do nosso povo. Então eu poderia dizer que a candidatura de uma mulher, trans, negra e da classe trabalhadora é importante por isso", disse em entrevista à coluna. Balbi falou também sobre o desafio de uma cidade como o Rio com a sustentabilidade. Um dos pontos mencionados por ela é a "necessidade de maior investimento em programas de prevenção de desastres naturais, como infraestrutura de drenagem urbana, expansão de áreas verdes e estabelecimento de um programa de habitação de interesse social".
SIDNEY: Muitos pré-candidatos à Prefeitura tem como uma das propostas armar a Guarda Municipal. Qual é sua proposta para a GM?
DANI BALBI: Armar a GM não é a solução. A questão da segurança pública não é uma questão de armamento. Antes os governantes compravam revólver, depois pistolas, depois fuzis e por aí foi. Amanhã vamos comprar o que? Bazuca? Se o problema fosse armamento, a questão da segurança já tinha sido resolvida há muito tempo. Para a GM cumprir seu papel de controle do espaço público e ordenamento urbano, eu defendo que a prefeitura invista em tecnologia - digital e procedimental - para privilegiar as ações e tomadas de decisão por evidências. Nessa perspectiva, é fundamental a adoção de estratégias de capacitação profissional e estímulo à qualificação dos agentes. O uso de armamentos tem por premissa a proteção do agente e do público, de acordo com a complexidade da atuação setorizada e, considerando o caráter civil da guarda, o privilegiamento de armamento não-letal mediante emprego de protocolos que sejam criados para contribuir com o controle institucional do uso da força. Defendo que a prefeitura siga a orientação do MPF para que todos os agentes da GM utilizem câmeras em seus uniformes. Isso garante transparência para as operações, mas tambem proteção para os próprios agentes. O que precisamos é de uma GM voltada para a cidadania!
A senhora é a primeira deputada trans da Alerj. Qual é a importância de sua pré-candidatura agora para a Prefeitura?
Acabou de sair uma pesquisa que mostrou que na disputa das capitais em todo o país, cerca de 80% dos candidatos são homens brancos. Aqui no Rio de Janeiro a situação é ainda pior: tirando a minha candidatura, todas as outras são de homens. Isso mostra que a política ainda é um lugar que rejeita a inclusão e a diversidade do nosso povo. Então eu poderia dizer que a candidatura de uma mulher, trans, negra e da classe trabalhadora é importante por isso. Mas não é só isso. Hoje o Rio tem cerca de 8 mil pessoas em situação de rua. O Rio é a cidade com a maior taxa de tuberculose no país no século XXI, sendo a Rocinha um dos locais mais afetados. Não dá para aceitar isso, não dá para achar isso normal. Diferentemente de meus adversários, eu tenho um programa que é público, que foi construído por especialistas e pela sociedade civil, para reverter esse cenário de desigualdade brutal do Rio. Um programa que defende uma cidade democrática, sustentável e inclusiva. Esse programa está expresso no livro “Direito à cidade no Rio de Janeiro”, que está sendo lançado em diversos eventos por toda a cidade. Independentemente da eleição, o livro é um programa para a cidade, sobre como a cidade dos nossos sonhos deveria ser e o que devemos fazer para chegar lá. Nós, do PCdoB, acreditamos que a política só faz sentido se for construída assim: coletivamente, de baixo para cima, com a participação de todos.
Como tornar a cidade do Rio mais sustentável?
O principal desafio de sustentabilidade do Rio de Janeiro são as mudanças climáticas, tanto de adaptar a cidade, quanto de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Um primeiro ponto é a necessidade de maior investimento em programas de prevenção de desastres naturais, como infraestrutura de drenagem urbana, expansão de áreas verdes e estabelecimento de um programa de habitação de interesse social. Outro ponto de extrema importância diz respeito à mobilidade urbana e investir em alternativas de transporte público eficientes e menos poluentes, como a expansão de redes de metrô, trem e ciclovias. No caso do metrô e do trem, o prefeito precisa assumir um papel político de dialogar com o governo do estado e com o governo federal. Temos que adotar uma abordagem abrangente, com investimentos direcionados para as áreas com menos infraestrutura e as mais impactadas - um retrato do racismo ambiental. As práticas comunitárias sustentáveis já presentes na cidade devem ser valorizadas, como cooperativas de reciclagem, associações de agroecologia, e projetos de biossistemas de saneamento ecológico. Tenho como proposta a criação de um Programa de Pontos de Inovação Sustentável para expandir tais iniciativas tão ricas em nossa cidade e que precisam ganhar escala. Por exemplo, não poderíamos oferecer apoio da prefeitura para que o biodigestor da comunidade do Vale Encantado ganhe escala e seja reproduzido em diversas outras comunidades? Defendo também a criação de uma Fundação de Amparo à Pesquisa da cidade do Rio de Janeiro, a FAP-Rio, que teria o objetivo de financiar projetos de inovação sustentável a partir da articulação entre empresas, prefeitura, universidades e sociedade civil. Isso é o que os Estados Unidos fazem no Vale do Silício e que a China faz na Zona Econômica Especial em Shenzhen.
Alguns municípios têm adotado a tarifa zero em ônibus municipais. Numa cidade como o Rio, essa proposta funcionaria?
Funcionaria e é muito necessária. Claro, o desafio para uma cidade como o Rio de Janeiro é a escala. O Rio é uma das cidades mais desiguais do país. Segundo estudos da Casa Fluminense, diariamente se deslocam mais de 2.000.000 de pessoas que desembarcam no Centro da cidade vindas do extremo da Zona Oeste e Zona Norte, e da Baixada Fluminense em busca de oportunidades que se concentram no Centro e na Zona Sul! Esse deslocamento impacta de forma desproporcional o orçamento das famílias mais pobres e vulneráveis. Para se ter ideia, uma pessoa desempregada ou na informalidade tem um impacto para distribuir currículo em busca de emprego, por exemplo, de no mínimo 16% do salário-mínimo nacional, e esse comprometimento pode facilmente superar 53% - dados do Observatório dos Trens - do salário, considerando que ela usa o trem e o metrô com apenas uma finalidade de deslocamento, buscar emprego, uma vez que não há integração modal nem tarifária. Esse impacto se reflete no aprofundamento das desigualdades. Um exemplo disso é o aumento da população em situação de rua, onde uma parcela considerável está em uma situação parcial, pois tem casa, mas pelo preço da passagem não pode voltar diariamente para sua casa e é jogada em uma situação profundamente indigna e injusta. Hoje, no Brasil, existem 106 cidades que possuem Tarifa Zero, sendo 32 delas apenas no estado de São Paulo. Percebe-se, ao observar algumas experiências exitosas que a tarifa zero tem muitos impactos positivos, tanto no aquecimento da economia local quanto, concomitantemente, na arrecadação do município para custear políticas públicas. Há uma dificuldade em publicizar e avançar nesse debate pela ausência de transparência sobre o custo das viagens, ou seja, o custo da operação, que serve para mistificar os superlucros das empresas concessionárias de transporte público. Isso só é possível dada a omissão ou negligência dos governos municipais e estaduais, que têm nos empresários de transporte grandes financiadores de suas campanhas. Não é à toa que tantos agentes do executivo estão presos ou sendo investigados pela relação com as máfias dos transportes, que no Rio de Janeiro têm relações íntimas com as milícias. Diferentemente de meus adversários, tenho diversos especialistas em mobilidade urbana construindo esse estudo para minha campanha sob a coordenação da Rafaela Albergaria, que é a fundadora do Observatório dos Trens.
Qual é sua proposta para a educação?
Minha primeira ação será universalizar o ensino integral desde a educação infantil. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, em 2022 eram apenas 35% dos estudantes matriculados que estavam no horário integral. Nosso projeto é que toda criança em creche ou escola municipal possa ter uma educação de, no mínimo, 7 horas por dia, com direito a alimentação de qualidade, esportes e muita cultura. Quero investir em uma educação de qualidade e emancipadora a partir, principalmente, do investimento na infraestrutura das escolas, no material pedagógico necessário e da valorização dos profissionais da educação. Um dos modos de valorizar os profissionais da educação é garantir a reposição das perdas salariais de mais de 21%, que tiveram, contando desde 2019, segundo estudo do Sepe-Dieese de março de 2024. Também quero garantir aos cariocas o acesso à educação inclusiva com a estrutura e os profissionais que supram a demanda. Por fim, é meu compromisso fazer com que a Lei 6419/2018 que instituiu o Programa Espaço Infantil Noturno de Atendimento à Primeira Infância, também conhecida como Lei do Espaço Coruja vire realidade. Essa lei tem por objetivo atender à demanda de famílias cuja mãe ou pai comprovadamente trabalhem ou estudem à noite. Essa foi a primeira lei que Marielle aprovou como vereadora.
A população LGBTQIA+ é alvo de violência constante. O que o governo municipal pode fazer para protegê-los?
Não há uma solução simples para resolver um problema estrutural na capital do estado que ocupa a 2ª posição no ranking de assassinatos de pessoas trans no Brasil. Acredito que para resolver a violência é necessário um conjunto de ações coordenadas de diversas instâncias da máquina pública. Quando pensamos em segurança pública, por exemplo, vamos precisar de um comprometimento da Polícia Civil e Militar, para o recebimento, acompanhamento e imputação do crime de lgbtia+fobia, o que não tem ocorrido. Na gestão municipal, é necessário garantir que aquela parcela que sequer tem habitação - ou seja, está em situação de rua -, tenha acesso a abrigos inclusivos que ofereçam um ambiente seguro, respeitoso e sem discriminação. Haja vista que a população em situação de rua está mais exposta à violência.