O cheiro que fugia do panelão sobre o fogão movido a lenha se espalhou para bombordo e boreste. Os amigos, acampados no coreto da caverna, jogavam conversa fora esperando o cozimento dos guaiamuns recém-chegados de Bangu. Explico: o Rafael, bom camarada, engorda os crustáceos em casa. Alimenta os bichos herbívoros com verduras, cascas de cenouras, batatas, o que sobra de arroz, deixando eles grandes e limpos. São mantidos em viveiro com água corrente e em uns 15 dias já podem ser consumidos. Rafael nos presenteou com os mimos. Bem, por aqui, com o vento soprando, a vizinhança sentiu algo apetitoso no ar.
Claro que foram chegando. Uns trouxeram pães, outros, cervejas e os demais, a gula. Ah, e o vizinho da ponta esquerda, que trouxe 13 latas de sardinhas em conserva. Todos da área sabem que ele lava, passa, arruma e limpa a casa. Enquanto isso, a mulher dele trabalha em escritório de seguros. Esse mesmo vizinho mostrou a caderneta das vacinas, em dia, como já havíamos combinado no último conselho do Principado. Na vitrola, Aracy de Almeida, para recordar Noel Rosa.
E, então, a patroa soou o apito, sinal de que o tira gosto estava pronto. Céus, nem cheguei perto. Não sou chegado a crustáceos. Prefiro camarões ou um Robalo na brasa. Ou mesmo a sardinha em lata que o vizinho trouxe para o encontro.
O cheiro foi se espalhando ainda mais, deixando muita gente, que passava na rua, morrendo de sede, com as narinas piscando de gula com o cheiro da panelada. E, de repente, o quintal encheu. Tanto que, o Júlio teve que providenciar martelinhos extras. Servem para quebrar a casca dos guaiamuns.
A festa me lembrou o velho Antenor, que me criou. Os caranguejos que ele trazia lá pra casa, eram capturados na Ilha de Bom Jesus que, atualmente, não existe porque foi aterrada para ser incorporada à Ilha do Governador. Aliás, a Ilha do Bom Jesus era o local que, nos tempos de outrora, havia o Asilo dos sobreviventes da Guerra do Paraguai. Lá vivia o pai do Antenor, o cabo Ozório, que ficou cego. Nós, para ir visitar o velhinho, seguíamos num barco fretado no Caju, para atravessar rumo ao asilo. Antenor, homem bravo, capturava os bichos enfiando o braço nas tocas dos guaiamuns.
Mas, varrendo a lembrança do passado e voltando ao Principado, a caranguejada foi servida na metade da manhã de terça-feira, sob o manto dos ramos entrelaçados do pé de uvas. Na verdade, um abrigo antiaéreo contra o bombardeio das aves. Fiquei distante, saboreando pão com sardinhas, bebendo cerveja... sem álcool! Homessa!