Por felipe.martins

Rio - Uma marcha na contramão do Vaticano. No mesmo ano em que um Papa, pela primeira vez, flexibiliza o discurso e pede igualdade no tratamento dado aos homossexuais, o vicariato de São Gonçalo realizará, amanhã, a Caminhada pela Família. O evento também contará com a participação de representantes de 30 igrejas evangélicas. Um dos líderes do movimento, o padre André Luis Siqueira, pároco da Igreja de São Gonçalo do Amarante, admite que militará contra a “identidade de gênero nas escolas do município e as propostas diferentes de família”. Oito vereadores do município apoiam o manifesto.

Idealizador do evento, o padre conta que a ideia surgiu quando a Câmara de Vereadores do município iniciou um debate sobre ideologia de gênero, no mês de junho, em sessão extraordinária. A votação poderia garantir aos estudantes a escolha do gênero em que seriam tratados. Sob protesto de várias correntes religiosas, o plano foi rejeitado por unanimidade dos vereadores: o placar marcou 24 a 0.

Padre André Luis%2C de São Gonçalo%2C defende a família heterossexual e acha que uniões do mesmo sexo prejudicam crianças. Ele organiza passeata com 30 igrejas evangélicasDivulgação

“Nós, cristãos (imensa maioria em São Gonçalo), consideramos a proposta gravemente danosa à educação de nossas crianças”, diz por e-mail o padre, que encontra-se em retiro espiritual. Ele diz que o evento teve a adesão de outras 30 igrejas evangélicas, convidadas pelo pastor Samuel Brito, líder da Igreja Fé para Todos. O grupo não descarta qualquer corrente religiosa. “Aceitamos as adesões de pessoas de quaisquer religiões que também acreditem nos mesmos princípios”, completa.

A ideia revoltou ativistas de direitos LGBT. “Eles vão fazer uma marcha pra privar as pessoas de direitos. Eles acham que estão fazendo uma marcha pra defender a família mas, na verdade, é o contrário, é uma marcha para restringir direitos em uma sociedade machista patriarcal”, afirmou Indianara Alves Siqueira, presidente do coletivo Transrevolução, que atua em favor dos direitos de travestis e transexuais. "Essa marcha é desumana", definiu. 

Cartaz separa crianças por sexo e critica família gay. Material foi preparado pela Igreja de São GonçaloReprodução

Apesar de rejeitar a acusação de homofobia e intolerância, os mais de 100 mil cartazes e panfletos entregues na Matriz de São Gonçalo, além de busdoors e outdoors, convocam o público com uma imagem de família bastante ortodoxa: pai e mãe olham candidamente para um bebezinho. Em outro panfleto, crianças aparecem separadas por sexo, sob a frase: “Sou católico e digo: NÃO para a ideologia de gênero”.

Um dos oito parlamentares confirmados no evento é o petista Marlos Costa, membro da Comissão de Educação e Cultura de São Gonçalo. Ele diz que rechaça qualquer preconceito mas não nega a presença na marcha. “A família é a base da vida social. A importância do núcleo familiar é menosprezado por muitos segmentos da sociedade atual”, diz.

O vereador garante que o evento marca o início da Semana Nacional da Família, evento criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que será aberta no domingo, dia 9. Por telefone, a CNBB não confirmou o reconhecimento da caminhada.

Papa Francisco faz História

No dia 18 de fevereiro, em momento considerado épico por lideranças católicas e dos direitos dos homossexuais, o Papa Francisco recebeu gays nos assentos especiais da audiência geral semanal com Sumo Pontífice.

Em 2013, logo após a Jornada Mundial da Juventude, no voo que ia do Rio de Janeiro para Roma, na Itália, ao ser questionado quanto à aceitação da união homossexual, o Santo Padre respondeu. “Quem sou eu para condená-los?”.

Em outro ato considerado progressista, o Papa elogiou divorciados que decidem se casar novamente. “Essas pessoas não são excomungadas e não devem ser tratadas como tal. Elas são sempre parte da Igreja, que não tem portas fechadas para ninguém”, afirmou ele, desmontando um velho preconceito da Igreja contra o divórcio. Em outra oportunidade, o Papa admitiu a possibilidade remota de padres casados.

‘Eles não nos representam’

Membro do Conselho Estadual LGBT e diretor do Grupo Arco Íris, Júlio Moreira lamenta que o evento de São Gonçalo venha na contramão dos esforços do Papa Francisco pela aceitação de homossexuais e pelo acolhimento das diferenças dentro da fé católica.

“Existe uma pastoral LGBT na igreja, com eles sim, nós dialogaríamos. Nosso posicionamento é ideológico”, afirma ele, que rechaça qualquer embate em repúdio ao evento de amanhã. “Eles não representam a Igreja. Faremos nosso papel de continuar militando pacificamente, de forma inteligente. Eles deveriam respeitar a harmonia familiar, mas democracia é isso mesmo”, completa.

A votação que derrubou a ideologia de gênero em São Gonçalo ocorreu em sessão extraordinária por solicitação do Prefeito Neilton Mulin (PR). O projeto do Plano é de autoria do Poder Executivo. Na ocasião, 24 dos 27 parlamentares votaram contra. Três vereadores faltaram à sessão.

Mas nem tudo está perdido para o favoráveis à ideologia de gênero: as emendas aprovadas serão submetidas à analise do Poder Executivo que poderá sancioná-las junto com o projeto aprovado ou vetá-las. Caso sejam vetadas, retornam à analise dos vereadores que podem derrubar os vetos. No último mês de junho, a Alerj aprovou lei punindo estabelecimentos públicos e privados que agirem com discriminação contra LGBTs, mas excluiu as igrejas da medida.


Colaborou Felipe Martins

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