Por bferreira

Rio - Filha do deputado federal cassado Rubens Paiva, Vera Paiva afirma que a esperança por Justiça nunca acabou. Convicta, ela diz que o país finalmente conseguiu entender como a violência da ditadura tem consequências até hoje.

Qual é a sensação desse momento?
— É de que a gente está dando um passo gigantesco, não só no caso do meu pai, mas no Brasil para acrescentar ao debate da Memória e da Verdade o tema da Justiça de Transição. Quando a juíza Ana Paula aceitou a denúncia do Riocentro eu já achei um passo gigantesco. Hoje demos um outro. Justiça com direito à defesa, com direito a pedido de perdão ou se a pessoa quiser defender o crime que fez, que o faça. Como fizeram Argentina, Chile, África do Sul e Alemanha Nazista. A meu ver, é o único modo de encerrar o ciclo de violência que permanece até hoje, onde a polícia ainda é treinada a torturar.

Você ainda acreditava na Justiça ?
— Tenho profunda fé nas novas gerações de juízes e promotores. Eles conseguem se distanciar desse período e ter uma noção mais isenta de Justiça e não de ideologia, diante do que estão avaliando. Ao contrário de todo mundo, eu tinha muita esperança, quase certeza de que era possível. Também acho que conseguimos a ligação histórica entre os crimes. Eu vi algo que estava na boca de poucas pessoas ser compreendido como herança maldita desse tempo.

A cobertura do caso influenciou?
— A gente sente a cobertura como um privilégio. Nunca achamos que era o único caso importante. Por isso, nossa família se dedicou a desvendar esse vínculo histórico com a minha mãe lutando na questão indígena, e eu com direitos humanos nas periferias da cidade. Que esse privilégio seja em benefício do Brasil, da família do Amarildo, do bailarino DG e da Claúdia, arrastada por PMs este ano. Penso neles mais que na gente.

O que foi mais difícil até aqui?
— É a hora em que tem que fazer o luto: decidir que morreu e não vai voltar . Fazer o meio luto que é possível nesse tipo de situação. Quando completaram 40 anos do desaparecimento do meu pai a gente fez um ritual de encontro de familiares e amigos. Nesse dia, a gente descobriu que eu decidi que meu pai tinha morrido 10 anos depois do desaparecimento, minha irmã 12, meu irmão 8, minha mãe só quando FHC deu a certidão de óbito em 1996. Esse é o mais difícil, a gente se sente culpado de perder a esperança. Mas o momento é necessário para encarar a luta.

Juiz nega anistia e processa militares por morte de Paiva

A Justiça Federal do Rio fez História ontem. Em decisão inédita, o juiz Caio Márcio Gutterres Taranto, da 4ª Vara Federal Criminal, aceitou a denúncia contra cinco militares envolvidos no assassinato do deputado federal cassado Rubens Paiva. Mais de três décadas depois da aprovação da Lei de Anistia, em 1979, a Justiça admitiu pela primeira vez o antigo coro dos parentes: os assassinatos de opositores políticos cometidos durante a ditadura são crimes contra a humanidade e não estão cobertos pela legislação. Além disso, segundo a Justiça, os crimes são imprescritíveis.

Cinco militares foram denunciados pelo homicídio e ocultação de cadáver do deputado Rubens Paiva durante a ditadura militarArte%3A O Dia

Com a decisão do juiz, se tornaram réus e responderão por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa armada: o general José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI-Codi, e o coronel Rubens Paim Sampaio, ex-oficial do Centro de Informações do Exército. Se condenados, a pena dos dois pode chegar a 37 anos de prisão.

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Foram denunciados ainda o general reformado Raymundo Ronaldo Campos e os capitães reformados e irmãos Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza pelos crimes de ocultação de cadáver, fraude processual e associação criminosa armada. As penas para os três podem superar dez anos de prisão.

Rubens Paiva foi preso emsua casa no Leblon, na manhã do dia 20 de janeiro de 1971, por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Nunca retornou. Ele foi levado para 3ª Zona Aérea e na mesma noite foi entregue a agentes do DOI-Codi, na Tijuca, onde foi torturado até a morte.

No despacho, o magistrado considera que a ação do MPF trata de crimes previstos no Código Penal atual. Além disso, é reconhecido que, à época, o Brasil já era signatário de tratados internacionais nos quais reconhecia que ataques sistemáticos contra a humanidade eram considerados delitos imprescritíveis. “Nesse contexto, o sentido e conteúdo de crime contra a humanidade deve ser extraído ponderando-se o histórico de militância política da vítima, inclusive sua atuação na qualidade de deputado cassado pelo Movimento de 1964”, escreveu o juiz.

Rubens Paiva ao lado da família. Ele foi morto e enterrado no Alto da Boa VistaArquivo

Para Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade, o Judiciário vem aos poucos reconhecendo a validade das normas internacionais. “Realmente é uma decisão inédita. O juiz respeitou o princípio do direito internacional que reconhece que há um crime de lesa-humanidade e que esse crime não é anistiado e não prescreve”, afirmou Rosa.

O advogado que defende os réus, Rodrigo Roca, informou que até sexta-feira entrará com um pedido de trancamento da ação. Ele estuda ainda a possibilidade de fazer uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal pela não aplicação da Lei de Anistia.

Sumiço do corpo relatado

Em 20 de março deste ano, o coronel Paulo Malhães contou ao DIA o que ocorreu com o corpo de Rubens Paiva, após a morte no DOI-Codi. “Recebi a missão para resolver o problema, que não seria enterrar de novo. Procuramos até que se achou (o corpo), levou algum tempo. Foi um sufoco para achar (o corpo). Aí seguiu o destino normal”, afirmou Malhães, ao admitir que tinha participado de missão para dar um destino final aos restos mortais do parlamentar.

Segundo o militar, em 1973, foi dada uma ordem do gabinete do ministro do Exército, Orlando Geisel, para que o corpo que estava na areia, na Praia do Recreio dos Bandeirantes, fosse ocultado definitivamente. Ele disse que o corpo de Paiva tinha sido enterrado por outros militares no Alto da Boa Vista logo depois da morte e, posteriormente, desenterrado e depositado em uma cova na praia. Como havia risco da descoberta da ossada, a missão para a ocultação final foi entregue a Malhães. De acordo com ele, participaram da missão ainda o coronel reformado José Brandt Teixeira e os sargentos Jairo de Canaan Cony e Iracy Pedro Interaminense Corrêa. Apenas Cony está falecido.

Malhães morreu 37 dias depois da entrevista, durante um assalto em circunstâncias ainda não esclarecidas. Após a morte, a viúva contou ao DIA que ele admitiu que os restos mortais de Paiva foram jogados em um rio. Se vivo, o MPF diz que ele também seria denunciado.

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