Por bferreira

Rio - Em crônica alusiva aos 50 anos do Parque do Flamengo, Ruy Castro escreveu que em suas aleias botou óculos pela primeira vez, “só então descobrindo que as árvores tinham milhões de folhas”. A experiência deve ser comum a todos que não sabiam ter alguma debilidade visual até o dia em que se buscou a correção. A caminho da faculdade, num crepúsculo do dia, dei-me conta da dificuldade em enxergar o número do ônibus. Tardiamente li seu destino e fiz o sinal. Mas a proximidade e a velocidade impediram sua parada. Depois de minha primeira consulta a um oftalmologista, descobri-me míope e, ao colocar os óculos, vi que o mundo não era desfocado, tinha cores e matizes diversos.

Desde o começo de minha vida escolar já deveria ser míope. Aluno interessado nas aulas, sempre sentei na primeira fila, o que me possibilitava enxergar o quadro e melhor rendimento escolar. Imaginava que o pessoal do fundo da sala tinha desempenho medíocre, tão só, por não prestar atenção. Em minhas incursões por aquele espaço não me restava outra coisa senão participar da bagunça, pois mal enxergava o quadro e nada do que nele fosse escrito. Não sei se o pessoal do fundão também era míope ou apenas bagunceiro. Mas suas notas não eram boas.

É estranho que a escola, espaço de socialização e educação para a cidadania, não propicie certos serviços aos alunos a fim de lhes possibilitar busca de solução de seus problemas. Quando estudante secundarista, as escolas tinham um Serviço de Orientação Educacional (SOE) com pedagogos, psicólogos e assistentes sociais; nenhum médico ou enfermeiro. Ciente de que uma professora fora denunciada pelo SOE aos órgãos de informação e repressão, soube da finalidade daquele serviço e compreendi a seletividade de seu poder disciplinar, que distinguia os atos de rebeldia próprios da adolescência dos atos potencialmente nocivos ao regime empresarial-militar que vigia.

Com a redemocratização, o serviço foi extinto, sem a implantação de outros em prol dos alunos. Ao contrário, em muitas escolas públicas faltam professores, e alguns são obrigados a dar aulas de diversas matérias, das quais não têm formação. A única política que se intensificou foi a de repressão militar aos reclamos dos professores. A Educação no Brasil continua a ser caso de polícia.

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito

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