Por mozer.macedo

Se o conjunto de trabalhadores brasileiros pudesse converter a hora gasta no
trânsito em salário, eles contariam com, pelo menos, mais R$ 1,77 bilhão de
ganho a cada mês. O cálculo é conservador, pois considera exclusivamente a
população que gasta uma hora no trânsito, no trajeto entre a casa e a empresa
– 14,37 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) – e estima ainda que a hora de trabalho desse contingente
de empregados vale o mínimo permitido por lei, R$ 3,08.

Para grande parcela da população, contudo, essa não é a realidade. Em todo o
Brasil, 5,92 milhões de pessoas gastam de uma a duas horas para chegar no
emprego. Apenas em São Paulo, são 1,6 milhão. “A perda de tempo no
deslocamento até o trabalho é refletida também em perda de produtividade na
economia”, ressaltou o professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense (UFF), Leonardo Mesentier.

Os problemas de mobilidade urbana estão entre os entraves à produtividade,
indicador que vem mostrando taxas de crescimento cada vez menores ano a ano
desde o início da crise econômica internacional, de acordo com o especialista
em mercado de trabalho do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio
Vargas (Ibre/FGV), Fernando Barbosa. “E, sem produtividade, a economia não
cresce”, afirmou. “A partir de 2010, a produtividade do trabalho mostrou certa
estagnação. Nesse mesmo período, cresceu a taxa de inflação no Brasil,
associada a um baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)”, destacou
Barbosa, complementando que a produtividade é o motor que impulsiona a
economia.

Além de perder tempo que poderia ser aplicado no trabalho, o empregado que gasta muitas horas com deslocamento tem mais dificuldade para estudar e se qualificar, disse Barbosa.

“Entre minha casa e a universidade, onde curso pós-graduação, perco duas horas e meia no engarrafamento. Não fosse isso, gastaria meia hora. A solução é ficar mais tempo na faculdade e esperar o trânsito melhorar. Em compensação, perco tempo com os filhos”, contou a socióloga Caroline Bordolo.

No comércio, uma das soluções adotadas pelo Senac, responsável por treinamento
do setor, tem sido promover cursos no próprio local de trabalho e, com isso
evitar o deslocamento do trabalhador para estudar, segundo o economista da
Confederação Nacional do Comércio (CNC), Bruno Fernandes. “O empregado do
comércio leva de três a quatro horas até o trabalho. Já chega cansado, com
pouca disposição”, afirmou.

Leonardo Mesentier ressalta ainda outros prejuízos à economia decorrentes da
má qualidade do transporte nas grandes cidades. As tarifas altas inibem a
circulação e, com isso, “a população deixa de desfrutar o que a metrópole tem
a oferecer. Deixa de consumir”. Ele destacou também que o custo do transporte
mais elevado repercute na valorização dos imóveis próximos aos centros
empresariais e comerciais. “Tarifas altas, aluguel caro”, disse.

Sérgio Besserman, economista da PUC-Rio, enumera ao menos quatro prejuízos por
conta das dificuldades de mobilidade urbana – perda de produtividade, mais
gastos com saúde decorrente do aumento da poluição, piora da qualificação dos
trabalhadores e mais geração de gases de efeito estufa. “Não tenho dúvida de
que o investimento em infraestrutura de transporte coletivo traria mais
benefícios à economia do que o esforço fiscal que tem sido feito pelo governo
para incentivar o setor automotivo e o aumento da frota de carros
particulares”, afirmou Besserman. Para ele, a construção de novas linhas de
metrô nas grandes cidades e de corredores exclusivos para ônibus movimentaria
mais a economia do que o aumento da compra de veículos gera de ganhos na
cadeia produtiva.

A grande transformação logística, no entanto, ocorrerá quando a população
optar, de fato, por trabalhar em casa, em vez de se deslocar até a empresa,
diz Besserman. “A Internet ainda não produziu mudanças significativas no
mercado de trabalho. Vamos assistir grandes mudanças, com uma mobilidade mais
inteligente”, prevê o economista.


Comércio e indústria poderiam ser benificiados
Funcionário que demora no trânsito falta mais e consumidor gasta menos no transporte público

A ligação direta entre a qualidade do transporte público na produtividade da economia foi identificada em um estudo da Universidade de São Paulo.Analisando o cenário atual, os pesquisadores calcularam que a cidade perderia R$ 19 bilhões de produtividade caso não existisse o metrô. Considerado ineficaz e pequeno para o tamanho da capital, a adequação do transporte público significaria um incremento na economia inimaginável atualmente.

“Teríamos que ver o projeto de ampliação e como seria feito para ter como
mensurar, mas é certo que melhoraria. Se a estrutura de transporte aumentar, o
mercado potencial aumenta, pois você vai estar mais próximo de seu fornecedor
e consumidor”, destaca o pesquisador Renato Vieira, da USP.

Um dos setores afetados pela ineficiência do transporte público das grandes
metrópoles é a indústria. “A produtividade do funcionário pode ser relacionado
com seu deslocamento. Quanto maior o tempo para chegar, o trabalhador falta
mais e fica mais cansado, afetando a produtividade”, complementa Vieira.

Outro segmento que tem seu desempenho fortemente relacionado com o transporte
público é o comércio. Não só pelos fatores dos trabalhadores, como acontece na
indústria, mas pela mobilidade do mercado consumidor. “A mobilidade é
essencial. O trânsito e o transporte público ajudam a economia como um todo. O
tempo que você gasta no trânsito ou dentro de um ônibus reduz a hora de lazer.
E uma das formas de lazer é fazer compras, o que movimenta o comércio”,
salienta Marcelo Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São
Paulo.

A prova está na tendência de instalação de shoppings próximos às estações de
metrô da capital. “Com o transporte melhor, as vendas são maiores. Não há
dúvida. Regiões com facilidade do metrô permitem uma venda melhor nos
shoppings. Antes achavam que ali seria uma passagem das pessoas e não de
fixação dos consumidores, mas o cenário é outro. As pessoas chegam com
facilidade”, afirma Luis Augusto Ildefonso, diretor de relações institucionais
da Alshop.

Outra mudança sentida pelos varejistas é a queda no consumo da população
quando acontece o aumento do transporte público. Principalmente em regiões com
público de renda menor, o impacto é grande. “O bolso do consumidor é um só.
Como ele gasta necessariamente em uma coisa, não gasta em outra. Se você pagar
mais pelo ônibus, sobra menos para comprar, ainda mais se for um item que não
é essencial”, complementa Solimeo.


Reportagem de Fernanda Nunes e André Pires

fernanda.nunes@brasileconomico.com.br
andre.pires@brasileconomico.com.br

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