Por bferreira

Rio - Quando Luisant Mata Roma assumiu a presidência do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, o Brasil era bicampeão em Copas do Mundo e vivia em uma ditadura comandada pelo general Castelo Branco. As compras eram pagas em Cruzeiro. O Brasil ganhou mais três títulos, se redemocratizou, passou pelo mandato de onze presidentes e teve sete trocas de moeda até o clã sair da gestão da instituição.

Sindicato terá nova diretoriaCarlo Wrede / Agência O Dia

Em meio século de poder, que foi passado de Luisant ao filho, Otton Mata Roma, a família misturou a gestão do sindicato com a de seus próprios bens e relegou a maior categoria de trabalhadores do Rio ao abandono. O sindicato só deixou de ser um feudo familiar em 2014, quando o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação na Justiça pedindo o afastamento de Otton Mata Roma. Ele ainda vai se defender das acusações de nepotismo e desvio de dinheiro dentro da instituição. Entre indícios de desvios, falhas de gestão e impostos devidos, estima-se um rombo de R$ 99 milhões dentro do sindicato.

Na última quarta-feira, ocorreu a primeira eleição sem os Mata Roma como candidatos. Apesar dos percalços, o pleito foi concluído e, finalmente, os comerciários terão a chance de reconstruir uma instituição à altura de seus interesses.

Segundo dados do Ministério do Trabalho, o Município do Rio possui 416 mil comerciários, porém só 2 mil são sindicalizados, o que representa menos de 0,5% do total. As convenções coletivas da categoria são frágeis. Em termos salariais, o sindicato mais atrapalhou do que ajudou. “O piso salarial estabelecido na convenção é inferior ao da lei do piso estadual, o que significa dizer que era melhor que não tivesse convenção. Ela era feita em prejuízo dos trabalhadores”, afirma o procurador do Trabalho Carlos Augusto Sampaio. Por lei, o piso dos comerciários é de R$ 988. A convenção admite o valor de R$ 965 para funções consideradas mais simples, como empacotador e etiquetador, e de R$ 976,00 para vagas com maior grau de qualificação, como vendedor e balconista.

O procurador aponta outras práticas questionáveis, como uma cobrança que os lojistas pagam para poder funcionar aos domingos. “Os estabelecimentos precisam pagar o sindicato para funcionar. É uma arrecadação de milhares de reais que onera o patrão, mas não vai para o trabalhador. Isso tem que ser rediscutido”.

A convenção coletiva dos comerciários de São Paulo fechada com a Fecomércio local dá exemplos de benefícios que os empregados do Rio poderiam ter: a estabilidade da gestante, por exemplo, é de 75 dias após o fim da licença. As mães também têm direito a ter até 15 faltas abonadas por motivo de doença do filho. As horas extras são remuneradas com 60% do valor da hora e o comerciário estudante tem direito de abono durante suas provas finais.

Segundo o presidente eleito do sindicato, Márcio Ayer, os primeiros passos da diretoria são “fazer um raio X na situação financeira do sindicato” e se reaproximar da categoria. A partir daí, a entidade poderá atuar nas maiores demandas: “As maiores carências são os salários e a questão da fiscalização das empresas.

Os trabalhadores reclamam muito da jornada de trabalho e do não pagamento de alguns benefícios, como o tíquete alimentação”.

Retomada de credibilidade é desafio a ser vencido

Reconquistar a credibilidade será um desafio para a nova diretoria do sindicato, já que muitos trabalhadores têm a visão de que a entidade arrecada muito sem dar nada em troca. Atuando no comércio há sete anos, a vendedora de cosméticos Luana Pereira de Brito, 25, deixou de ser filiada ao sindicato depois da intervenção da Justiça, quando vieram à tona as denúncias de corrupção contra os Mata Roma. “Fui filiada, mas a taxa subia e a gente não tinha mais benefícios. Durante as eleições, as duas chapas me procuraram para eu voltar, mas fiquei desconfiada”, diz.

O aposentado Marinho Antunes, 75 anos, é mais otimista. Ele fez questão de comparecer ao sindicato para registrar seu voto e celebrou o processo de renovação. “Sou filiado há 26 anos. Do pai (Luisant), não tenho nada a dizer de ruim. Mas o filho (Otton) não foi tão bem quanto ele”, afirma. Para Antunes, a principal demanda dos aposentados do sindicato é a melhoria de serviços médicos. “Idosos precisam de geriatra, urologista, de exames”, afirma. A vendedora Maria Zenilde Silva, 53, lamentou que não conseguiu se sindicalizar a tempo das eleições. Para ela, os comerciários devem cobrar uma maior fiscalização do sindicato sobre as empresas do setor. “Há muitas empresas que fazem o empregado assinar uma folha dizendo que ganhou hora extra sem ter recebido. A indignação é saber que temos os direitos, mas o sindicato nunca fez nada”, afirma.

OTTON MATA ROMA: “Sou um homem que só tem dívidas”

Afastado da presidência do sindicato desde outubro do ano passado, Otton Mata Roma nega as acusações e afirma que está endividado. Em entrevista exclusiva a O DIA, ele chorou e afirmou que seu direito de defesa está sendo cerceado.

1. O que o senhor tem a dizer sobre as acusações do Ministério Público do Trabalho?
A denúncia é infundada a partir do momento que você, enquanto denunciado, não tem acesso aos documentos para ter direito a defesa. Fui impedido de ter acesso a todo e qualquer documento. Não só da instituição, como também particulares que ficaram todos dentro do sindicato. Hoje não tenho minha carteira de trabalho, porque ficou retida. Encaminhei inúmeros ofícios ao interventor para que liberasse documentos básicos para minha subsistência, como carteira de trabalho, diploma de faculdade, certidão de nascimento dos meus filhos e minha certidão de casamento, nem a isso tive acesso.

2. Havia o pagamento de supersalários ao senhor e aos diretores?
Lógico que não, tire pelas minhas dívidas. Sou um homem que só tem dívidas. Estou com duas execuções bancárias, meus carros estão sob busca e apreensão por falta de pagamento. Comprei minha casa com dinheiro que tinha declarado no imposto, dei de entrada e o restante financiado em trinta anos que não consegui pagar uma prestação sequer. A casa vai entrar em retomada pela Caixa Econômica Federal. Se tivesse retirado algum dinheiro do sindicato, estaria passando pela dificuldade que estou passando?

3. A auditoria feita aponta a contratação de 17 parentes e ex-mulheres suas no sindicato.
Quero que prove que eu contratei 17 parentes. Só contratei o meu filho porque estávamos fazendo uma campanha de sindicalização de todos os shoppings do Rio, por ser jovem, estudante de direito. Ganhava um pouco mais de R$ 6 mil. O sindicato não se resume só ao presidente. Para trabalhar no sindicato, o nome é levado para reunião de diretoria efetiva.

4.O senhor reconhece as eleições?
Não era para ter eleição. Fui eleito legalmente em julho do ano passado para um mandato de cinco anos. Meu processo ainda não foi julgado, então continuo presidente. Estou apenas afastado. Como que fazem eleição sem o meu processo ser concluído?

5. O senhor diz ter sido ameaçado. O que ocorreu?
Fui ameaçado de morte em janeiro deste ano. Disseram, em uma carta anônima com letras de revistas, que se fosse me defender matariam meus filhos.

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