Terreiro de Umbanda tem 'gira' interrompida por intolerância religiosa nesta quarta-feira (01)Reprodução / Rede Social

Rio - Uma casa de Umbanda na Tijuca, Zona Norte, vem sofrendo com constantes ataques de intolerância religiosa. Na noite de quarta-feira (1º), vizinhos do terreiro acionaram a Guarda Municipal para acabar com a gira (ritual religioso da Umbanda) que acontecia no Templo a Caminho da Paz.
Segundo os responsáveis pelo templo, os ataques acontecem desde setembro do ano passado. Além de sempre denunciarem os rituais, vizinhos arremessam frutas congeladas e outros objetos no espaço, que existe há 23 anos, na Rua Pereira Nunes.
Em conversa com O DIA, a dirigente do templo, Maria Cristina Ferreira, de 53 anos, lamentou o preconceito sofrido pelos umbandistas. Segundo ela, todos estão indignados e não aguentam mais serem impedidos de contemplarem a religião.
"Praticamente todos os dias que temos gira. A Guarda Municipal vai à nossa porta e precisamos nos silenciar. A rua é extremamente movimentada, com muito trânsito. O barulho de carros e ônibus é intenso, além dos bares em volta. Só o nosso terreiro de Umbanda é que incomoda? Só queremos praticar a nossa fé e não aguentamos mais ser silenciados tantas vezes", desabafou.
Acompanhada de outros religiosos, Cristina foi à 20ª DP (Vila Isabel) registrar a ocorrência na noite desta quarta-feira. Segundo a Polícia Civil, o caso foi encaminhado para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que vai prosseguir com a investigação.
"Essa foi a primeira vez que demos queixa. Desde que os ataques começaram nós fomos levando, porque não queremos incomodar ninguém. Sempre que chegamos fazemos a política da boa vizinhança", completou a administradora do terreiro.
Uma frequentadora da casa relatou nas redes sociais que a gira começou uma hora e meia mais cedo do que o habitual, às 18h, para tentar evitar qualquer problema.
"A Guarda Municipal chegou exatamente às 19h30. A vizinhança denuncia não é pelo barulho, é pela intolerância religiosa. Na semana passada, jogaram um limão pela janela e acertou uma pessoa que ia passar em consulta. Isso precisa de um basta", escreveu a mulher.
Um vídeo publicado na página oficial do terreiro mostra o momento em que a Guarda Municipal chega ao local para encerrar a "gira", após serem acionados por moradores das redondezas. Uma das participantes relata que isso acontece toda quarta-feira e todo sábado, dias que são realizados os rituais religiosos.
Na manhã desta quinta-feira (2), o Templo a Caminho da Paz publicou uma nota de repúdio aos episódios de intolerância religiosa. Além dos tradicionais rituais, o terreiro também realiza atendimentos gratuitos a crianças e idosos, que podem sofrer ferimentos devido aos objetos arremessados.
Em nota, a Guarda Municipal informou que equipes foram acionadas, mais de uma vez, para ocorrência de perturbação do sossego no local. Segundo os agentes, durante a fiscalização, foi constatado que o som emitido no terreiro excedeu o limite de altura para a região.
A corporação alega, ainda, que é contra qualquer tipo de intolerância religiosa. A fiscalização técnica se deu apenas para verificar a emissão de barulho, a partir de reclamações de moradores.
Rio é a cidade com mais casos de intolerância religiosa no Brasil
O município do Rio registou o maior número de casos de intolerância religiosa em todo o país, durante o ano de 2023. De acordo com dados de uma pesquisa realizada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), das 940 ocorrências registradas pelo Disque Denúncia, 117 foram na capital fluminense.
O estudo faz parte de um relatório apresentado na 55ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizada em fevereiro, em Genebra, na Suíça. No encontro, foi discutido questões relacionadas sobre o combate à intolerância religiosa e racismo.
"Essas questões ainda são um desafio para a nossa sociedade. Não podemos permitir que casos como esses continuem acontecendo. A liberdade religiosa e o culto são direitos constitucionais", afirma o babalaô Ivanir dos Santos, doutor em história e fundador do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap).

Veja as 10 cidades com mais casos de intolerância religiosa no país
1º - Rio de Janeiro (RJ) - 117 casos
2º - São Paulo (SP) - 78 
3º - Salvador (BA) - 47 
4º - Brasília (DF) - 19 
5º - Nova Russa (CE) - 15 
6º - Belo Horizonte (MG) - 13 
7º - Gravata (RS) - 12 
8º - Fortaleza (CE) - 10 
9º - Duque de Caxias (RJ) - 10 
10º - Campinas (SP) - 9 
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Marcela Ribeiro